Nos últimos tempos a vida tem me falado muito sobre a morte, ainda meio sussurros, notícias de longe de pessoas de perto que andam cruzando passagens além daqui. Nenhuma dessas “perdas” foi diretamente minha, mas toda morte ressoa em algum canto frágil das nossas certezas, nosso medo de morrer grita quando chega a notícia de alguém que se encantou.
Podemos desembolar mil questões socioculturais, emocionais, trancendentais pra justificar nossa incapacidade histórica de lidar com o fato certeiro de morrer e/ou com a dor insuportável de “perder” quem a gente ama. Esses dias essa onda bateu, além de um turbilhão de emoções e memórias relacionadas à essas pessoas com quem tive a honra de conviver e agora preciso reaprender a mantê-las vivas. Mas o pico da onda foi confirmar que, pra mim (e creio que pra meio milhão de mundo), a morte acelera a gente pra vida. Ela precisa sussurrar pelos cantos pra não nos deixar esquecer da urgência de viver.
Talvez pra evitar que sejamos mortos vivos, pra ensinar a gente a renascer em vida, pra contar que dá pra morrer todo final de dia e acordar diferente com o mesmo sol, pra quebrar as bolhas de ilusão que impedem a porrada da vida real. E eu me treme feito vara verde, porque sei que só a morte tem o poder assustador dessa ameaça que cobra urgência e entrega. Toda vez que a vida falta pra alguém ao meu lado, ela explode em pressa na minha frente. Vem doida gritando na minha cara o privilégio de ter ficado, de ter visto, mais uma vez, a morte passar pela rua do lado e não ter virado a esquina da minha.
A gente não encara a morte de outra pessoa sob a ótica do alívio de estar vivo, não é isso. Mas tem uma sagacidade nos recados que a morte deixa quando acontece, muitos passam despercebidos nessa hora porque a dor é faca afiada. Não se vive a morte, a gente vive é a vida. O medo que ela impõe por ser única e inevitável é exatamente a pegadinha do malandro, o recado mais certeiro de todos, o sopro sutil do mistério: vai viver, vai rápido porque um hora eu viro a tua esquina.
Esses devaneios me trazem a presença forte do meu avô, que virou algodão doce há alguns anos atrás. Foi a primeira vez que a morte me pegou pelas canela e me tirou do prumo pela dor de parir esse luto. Mas foi também essa mesma morte que me ensinou a viver pessoas para além da vida que a gente consegue entender e considerar. Amor, né? Rodopiando em círculos mágicos de início de lua cheia, agradeço a generosidade da morte em me apavorar com doses cavalares de vida urgente, as quais eu meto pra dentro com respeito, marcha e dança. Amém.
Solte o verbo!